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POETA É O POVO

POESIA

POETA É O POVO

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Seven Seas Radio
08
Mar14

SENTIR-TE


Maria Letras sopa-de-letras

Bonito poema do meu amigo :
José Frota

Houve um dia, já lá vão muitos , muitos  anos, quando comecei nestas coisas da escrita, que também tive a tineta de ser poeta. E ainda escrevi um série de coisas que nunca cheguei a publicar por reconhecer a sua manifesta falta de qualidade. Há dias, porém,remexendo em velhos papéis, fui dar com um desses modestos esboços de palavras mal alinhavadas que atendendo ao dia que passa, decidi hoje expor publicamente em homenagem à mulher, o mais belo ser da criação divina.  Perdoem-me a pobreza do então escrevi, que tem, no entanto, a vantagem de corresponder ao  que senti e ainda hoje sinto. Para todas as mulheres que passaram pela min...ha vida e para todas as minhas amigas aí vai então: 

 

 

 

SENTIR-TE

 

Sentir-te

No canto dum pássaro

No assobio do vento

No gotejar de uma fonte

 

Sentir-te

Na brisa estival

No sol de Inverno

No orvalho de uma fonte

 

Sentir-te

Na esperança das madrugadas

Na quietude dos poentes

No ruído dos meios-dias

 

Sentir-te

No olor do cravo

Na seiva do pinheiro

No búzio da praia

 

Sonhar-te

No raio do luar

No fluir do tempo

Na vida que passa.

 

POEMA DE JOSE FROTA

FOTO DE MARIA LETRAS

03
Jan14

TRABALHO SOBRE FLORBELA ESPANCA


Maria Letras sopa-de-letras

 

fotos de Maria Letras

 

 
TERCEIRA E ULTIMA PARTE DO TRABALHO ELABORADO PELO AMIGO JOSE FROTA E PUBLICADO NA PAGINA DOS ANTIGOS ALUNOS DO LICEU NACIONAL DE EVORA, ONDE  FLORBELA ESPANCA TAMBEM ESTUDOU.
 
José Frota
O BUSTO DE FLORBELA ESPANCA
                                         O FIM DE UMA SAGA

O clima de fera hostilidade reinante na imprensa católica, em relação a tudo quanto respeitasse à poetisa calipolense, deu sinais de ligeiro abrandamento a partir de 1942, ano em que José Fernando de Sousa, o Nemo, morreu. O novo director de "A Voz"  não era tão afeiçoado à causa da estigmatização de Florbela e vai deixando de a alimentar de forma tão sistemática e frequente. O mesmo não sucedia em Évora onde os padres fascistas (como Vergílio Ferreira lhes  haveria de chamar) continuavam a desancar Florbela  e a armar-se nos guardiões e paladinos da moral citadina. Os mais conhecidos eram o dito pimpão Alegria, agora professor de Canto no Seminário e polícia das ideias alheias e o cónego Francisco Maria da Silva. vigário da Arquidiocese e que mais ascenderia a Arcebispo Primaz de Braga. Ambos eram professores de Religião e Moral dos cursos nocturnos mistos, destinados a adultos e trabalhadores, da Escola Comercial e Industrial Gabriel Pereira. Julgando-se intocáveis, eram detestados por todos os  alunos que tinham de os suportar, dado que nesse tempo, a disciplina era obrigatória e sujeita a avaliação trimestral e anual como qualquer outra. Achavam-se por isso as autoridades máximas da Escola. Em determinado dia de finais do ano lectivo de 1945-46 decidiram entrar desabridamente pelo gabinete do director da Escola para lhe pedirem explicações sobre um baile de finalistas que se havia realizado sem o seu conhecimento e autorização  (tal e qual), no qual haviam participado professores e professoras, alunos e alunos e que, segundo eles, tinha decorrido em ambiente de grande promiscuidade. E o que disseram em altos gritos lançados em tom injurioso  que se ouviram no exterior, faltando ao respeito do seu superior hierárquico, repetiram-no em toda a cidade. A reacção dos visados foi imediata. O Director participou o caso ao Ministério, acompanhado de testemunhos de professores, alunos e empregados. O ministro Fernando Pires de Lima abriu um inquérito rigoroso no decurso do qual se apurou que  «ambos haviam exercido na Escola uma acção perturbadora e deseducativa», pela qual os contratos não lhes seriam renovados, expulsando-os assim do quadro de docentes. As conclusões do inquérito foram tornadas públicas no jornal "Correio do Alentejo" sob a forma de esclarecimento do Ministério da Educação Nacional, dado que o periódico, afecto ao regime, havia censurado as sanções aplicadas aos dois eclesiásticos, naquilo que apelidara em número anterior de «Expulsão de Jesuítas» procurando inocentá-los. Poderá perguntar-se qual a relevância deste episódio no caso da perseguição a Florbela? É que Alegria, desacreditado na cidade, viu-se obrigado a deixá-la por uns anos. Foi a isso compelido pela hierarquia católica que o mandou estuda para o Instituto Superior de Música Sacra em  Roma, pelo que deixou de  orquestrar a campanha contra Florbela Espanca.
Entretanto o final da guerra, a derrota nazi-fascista, a necessidade de transmitir para o exterior uma imagem de democracia e a realização de eleições legislativas  permitiram um aligeiramento da censura, nomeadamente a de índole intelectual. O poeta Jorge  de Sena pôde por isso, em 1946, numa conferência realizada no Clube Fenianos no Porto, trazer à tona a obra de Florbela, para falar do seu "donjuanismo" feminino referindo que os seus poemas eram de uma  fúria inaudita, exemplo da violência que a escritora exercia sobre si própria» Na esteira de Sena e citando-o abundantemente, José Régio, poeta católico que vivia em Portalegre, escreverá que «a obra de Florbela é a expressão poética de um caso humano. Decerto para infelicidade da sua vida terrena, mas para glória do seu nome e glória da poesia portuguesa, Florbela viveu a fundo esses estados, quer de depressão, quer de exaltação, quer de concentração em si mesma, quer de dispersão  em tudo, que na sua poesia atingem tão vibrante expressão. (...) Nenhuma poetisa  porém, viveu até hoje, viveu tão a sério um caso excepcional, e ao mesmo tempo, tão significativamente humano» (...) Nenhuma com tanto talento vocabular e métrico, talhou um soneto como quem talha um vestido ».
Com o ambiente a mostrar tendências ao desanuviamento, a escritora e antiga discípula de Florbela, Aurélia Borges, que no ano anterior publicara um trabalho sofre a poetisa e a sua obra (Lisboa,Edições Expansão), pediu por escrito a 28 de Janeiro de 1947, a  António Bartolomeu Gromicho que enquanto presidente do Grupo Pró-Évora, tomasse posição sobre a instalação do busto. Gromicho responde-lhe que o Grupo continuava atento à situação e já voltara a mexer no assunto mas que deparou com uma «inesperada e violenta reacção dos vereadores municipais». Também o Ministro da Educação se mostrara amável e elogioso quanto ao valor da poetisa mas terminara por lhe dizes que a sepultura "estava ainda muito quente" e portanto não consentia a homenagem nem Évora nem qualquer outro ponto do território português». Mas a luta entre "florbelianos" e seus inimigos estava bem equilibrada e mesmo os intelectuais favoráveis ao regime eram de opinião de que se devia conceder autorização para a instalação do busto. Vitorino Nemésio avisa mesmo que «a rapidez com que a lenda já se apropriou de Florbela mostra bem como estamos em presença-creio que pela primeira vez na literatura portuguesa- de uma poetisa musa. Mais do que isso; de uma deidade ou de um duende, um ser mitológico de que já alguns poetas autênticos (Manuel da Fonseca, por exemplo, já se apoderaram para fazer dela a alma da planície alentejana, "genious loci" errante entre o piorno e as estevas». Salazar percebe o perigo e preconiza uma solução airosa, tanto mais que estão à  porta as eleições para a Presidência da República, a disputar entre Carmona e Norton de Matos.  É assim que se negoceia entre a Câmara de Évora, o Governo Civil e o Grupo Pró-Évora (a Igreja é excluída do processo) a implantação do busto que deve decorrer de forma o mais discreta  possível, não oficial, e com escasso número de convidados. No dia  17 de Junho de 1949 o busto de Florbela é finalmente colocado no se pedestal. Ao acto apenas assistem representantes do Grupo Pró-Évora e elementos da Câmara e do Governo Civil.
Julgava-se que o caso estava encerrado, com o menor ruído possível a a contento das partes. Não seria assim. O Cónego José Augusto Alegria depois de jornadear pelo estrangeiro, regressa a Évora em 1951 e vem de novo disposto a provocar escândalo.  O seu espaço natural de escrita é o "Novidades" para onde envia novo escrito onde reconhece, com indignação que em oposição a esse desiderato «escrevera em vão mais de doze artigos, oito dos quais na página literária deste jornal, coordenado e superiormente dirigido por Monsenhor Moreira das Neves». Restava-lhe «a consolação de saber que nenhum eborense contribuíra para erguer o busto da poetisa. Foram autores do atentado forasteiros com títulos mais ou menos  honorários». Uma redonda falsidade. Mas Alegria não se deu por satisfeito. Em 1955 fazia sair em edição da Fundação D. Manuel da Conceição Santos um livro com o título " A poetisa Florbela Espanca- o processo de uma causa" no qual insultava, de uma forma reles e ordinária a mulher falecida de forma trágica havia já um quarto de século. Nele afirmava que "Florbela até era sincera mas era uma sinceridade de bordel» E mais adiante: Poetisa do Alentejo ? Antes Maria das Quimeras no mínimo que se pode dizer(...) Não foi o Alentejo com as suas sombras, as suas distâncias ou a profundidade dos seus silêncios que mereceu os afectos da poetisa. Foi uma quimérica ansiedade que lhe fez sorver em haustos de profunda ansiedade a vida, levada a cantar e a gritar em tantos versos que são uma autêntica prostituição de todos os sentimentos femininos».
O comportamento da Igreja neste caso foi vergonhoso. O do Padre Alegria dispensa comentários. Diz-se que este se penitenciou de tudo isto já depois de 1974. Desconheço em absoluto esse acto de contrição público.
                                                   ****************************************
A MINHA APRECIACAO :
Quero agradecer ao Jose Frota este trabalho espectacular, e a sua permissao para que o publicasse neste meu espaco.
Ajuda a conhecer melhor a poeta imortal, e o " ar "que se respirava em Portugal, na sua epoca,. e ate depois dela.
Devo dizer que frequentei o Liceu entre 1964 e 1969, ano em que fui viver para Lisboa; fui aluna do padre Alegria, em religiao e moral, e tudo isto me passou completamente ao lado.
Gostava ate mais do padre Alegria do que do padre Manso, apenas porque este ultimo era mais serio, menos brincalhao.
Sai de Evora com quinze anos, nao tendo acompanhado, minimamente, as estorias da cidade.
Talvez por isso, me entusiasme tanto quando alguem as descreve. Especialmente se se passaram na minha epoca.
Um grande OBRIGADA JOSE FROTA.
PS
Quem estiver interessado em ver este trabalho por completo, basta nas TAGS, do lado direito desta pagina, clicar em " FLORBELA ESPANCA ", e encontrara as quatro participacoes seguidas.
07
Dez13

TRABALHO SOBRE FLORBELA ESPANCA parte 2


Maria Letras sopa-de-letras

Gentilmente cedido por Jose Frota , a quem agradeco o trabalho e a autorizacao para publicar.



 

José Frota

 

 

A ANTIGA ALUNA FLORBELA ESPANCA

SEGUNDA PARTE

Depois de ontem ter procedido à divulgação da Primeira Parte divida,em dois capítulos , retomo hoje a história da vida e obra da nossa ex-colega.

Em 1920 Florbela tem o seu primeiro amante na pessoa de António José Marques Guimarães,alferes de artilharia da Guarda Republicana, com quem vem a casar-se,de novo civilmente, em Junho de 1921, depois de se ter divorciado do primeiro marido. Guimarães é entretanto colocado no Porto pelo que ambos vão viver para Matosinhos, terra dele. Florbela abandona a Faculdade de Direito (está no 3º. ano) , mas quando menos esperam, Guimarães é obrigado a voltar a Lisboa por ter sido nomeado Chefe de Gabinete do Ministério do Exército. Florbela demora-se ainda algum tempo para deixar as coisas em ordem . Dois meses depois do seu regresso sai o seu segundo título, "Livro de Soror Saudade", recheado de poemas criados no breve espaço de ausência do marido. Não tardará muito, contudo, a ter de rumar a Matosinhos para se tratar de novo aborto que a deixa, como o anterior, muito abalada.

Depois ninguém ao certo o que se passou. A correspondência trocada em ambos continua a revelar, segundo os especialistas na exegese dos referidos textos, «uma mulher saudosa do corpo do marido-amante e que sem constrangimentos lhe confessa o seu desejo- atrevimento que ultrapassa em muito o consentido para a época».
O certo é que a circunstância do médico responsável pelo seu tratamento ser Mário Pereira Lage, amigo do marido, que conhecera dois anos antes como médico do exército e que a cobiçara desde o primeiro momento em que a vira, não augurava nada de venturoso. O prolongamento da sua ausência em Matosinhos, os pretextos invocados para o adiamento do regresso a Lisboa, o seu temperamento fogoso em termos carnais e a noção de que Lage, nove anos mais velho e pouco escrupuloso não desperdiçaria a oportunidade para conseguir os seus intentos tiraram a Guimarães qualquer dúvida sobre o que estava acontecendo.
O marido acaba por receber sem surpresa, ainda que com profundo desgosto, a carta em que ela lhe anuncia, já viver com Lage, solicitando-lhe o divórcio pois pretendia casar-se com ele o mais brevemente possível. Escreve então à família a explicar a sua decisão. Temos conhecimento das razões por ela invocadas na missiva que escreve ao irmão Apeles, com carimbo de 29 de Dezembro de 1923 e na qual começa por lhe dizer que esta o vai surpreender e penalizar. Para prosseguir:« Mas entendo que é melhor dizer-te eu própria tudo o que há de novidade em vez de deixar que aos teus ouvidos cheguem malevolências que te podem dar de mim uma ideia errada e injusta».
Relata então de forma inesperada e pouco convincente que há dois anos tem sofrido «um calvário de humilhações, grosserias e brutalidades por parte do marido pelo que resolveu liquidar tudo simplesmente sem um remorso,sem a mais pequena mágoa.». E para quem assumia possuir um grande amor pelo irmão, remata desta forma estranha: «Pensa de mim o que quiseres que estou disposta a aceitar tudo, mesmo o teu esquecimento. Tua Bela.»
Em 1925 casa com Mário Lage pelo civil e depois pela Igreja indo viver para casa deste em Esmoriz. A família corta relações com ela e acusa Mário Lage de a estar a manipular psicologicamente usando drogas fortes no seu tratamento o que a leva a vir contradizer-se sobre a vida feliz que dizia levar com Guimarães, difamando-o agora e lançando sobre ele o labéu de ser um individuo reles e de mau carácter.
Florbela vem a Évora para tentar a conciliação mas é recebida com hostilidade quer pela família que não lhe abre a porta, quer pela população. Populares apedrejam-na quando, em companhia de Milburges Ferreira, a Buja, amiga de infância, passeia no Jardim Público envergando uma provocante saia-calça.
Agustina relata mesmo este episódio na sua autobiografia. Também eu o ouvi narrado com maior soma de pormenores, há cerca de 45 anos,da boca das suas ex-colegas, Maria do Carmo Almeida e Lídia Amália Nogueira que figura a seu lado na fotografia de 1917 em que ambas aparecem trajadas. Segundo o testemunho de Maria do Carmo e Lídia Nogueira, Florbela foi corrida à pedrada e acoimada de "puta","rameira" e "maluca" e a perseguição só terminou na Praça de Giraldo, quando se refugiou na loja de modas e confecções para senhora, " A Parisiense", situada no nº. 50 e que era propriedade do comerciante Serafim César da Silva. Este reconheceu a sua estimada cliente e imediatamente lhe abriu as portas, acolhendo-a com todo o cavalheirismo e simpatia. A talhe de foice, diga-se que este simpático e gorducho comerciante era apaixonado por coisas francesas e parisienses, possuindo ainda ao longo das arcadas a conhecida "Kermesse de France" (desaparecida apenas nos primeiros anos já deste século) e o celebérrimo café-restaurante "A Brasserie".

De regresso a Matosinhos isolou-se cada vez mais e continuou a escrever tendo sempre por temas o amor,a solidão, a vida,a morte, o Alentejo e a natureza, numa expressão cada vez apurada do mais profundo, belo e tradicional lirismo. O modernismo literário de que tomara conhecimento através dos colegas de ofício no período boémio em que frequentou o "Café Gelo" e então muito em voga, não a cativara. E embora também cultivasse o conto e outras formas literárias era no soneto que pontificava emprestando-lhe um ritmo, uma melodia e uma sonoridade inultrapassáveis.
Dois anos depois acontecerá o facto trágico que a afundará irreversivelmente no quadro da doença psíquica de que desde sempre vinha padecendo.Seu irmão Apeles, também antigo aluno do Liceu de Évora, onde fizera o respectivo Curso Geral e os preparativos para ingressar na Escola Naval e era Primeiro-Tenente da Marinha, desaparece engolido pelas águas do Tejo quando ultimava as provas para obter o "brevet" de piloto-aviador, O seu corpo nunca será encontrado e a poetisa quis ficar com os destroços do aparelho.
Perde então por completo a vontade e a alegria de viver e entrega-se a um lancinante desgosto. Escreve então um livro de contos dedicado ao irmão com o qual se dizia ter tido uma relação incestuosa, que alguns analistas pretenderam ver confirmada nos «excessos verbais da escritora pela imoderação no modo de expressão», argumentando que essa «exaltação é fora do comum». Todavia, Agustina Bessa Luís, como Rui Guedes ( "Fotobiografia"), Maria Alexandina e a brasileira Maria Del Farra, consideram totalmente descabida essa hipótese e asseguram que tal sentimento era de natureza maternal e fora assumido desde a morte da morte precoce da mãe de ambos. Florbela ter-se-á obrigado desde então a preencher o seu lugar junto do pequeno Apeles no sentido de o orientar e proteger.
Entretanto a relação com Lage começa a desgastar-se. Lage já não quer nada com ela, passado o primeiro impulso de a poder exibir como troféu de caça. No ano seguinte Florbela apaixona-se pelo pianista Luís Maria Cabral a quem dedicará os poemas "Chopin" e "Tarde de Música". Fuma desalmadamente enquanto é submetida a tratamento muito forte, baseado em refeições leves e muito descanso. Os seus comportamentos estranhos e bizarros e os seus devaneios amorosos iam escandalizando a família do marido que lhe aconselha a mudança de ares. É assim que repudiada por Lage e sua família, decide afastar-se por algum tempo.
Voltemos a Agustina: « Todas suas perturbações, a emoção exaltada , o esgotamento, a intolerância aos alimentos, ao género de vida, a tuberculose encoberta, as dores de cabeça, todas as repugnâncias físicas e morais anunciam a instalação da nevrose. Provavelmente com o desgosto sexual aparece como o grande motivo de desentendimento no matrimónio.» Surge a primeira tentativa de suicídio.

Em 1929, Florbela decide vir passar uma temporada ao Sul. Passa por Lisboa e pede ao cineasta Jorge Brum do Canto para a incluir no filme "A Dança dos Paroxismos" mas este recusa-lhe a pretensão. Volta então para Évora, a terra que sempre adorou
apesar do mau acolhimento que a população lhe reservara cinco anos antes. Na nossa cidade começou a escrever o seu "Diário do Último Ano" , numa antevisão de que o seu fim poderá estar próximo.
Em Évora recomeça a colaboração com a revista "Portugal Feminino", enceta o mesmo tipo de trabalho com a revista "Civilização " e faz traduções do francês. Na cidade acaba por reencontrar António Marques Batoque, o seu antigo colega, já ilustre advogado e emérito cultor do Fado Coimbra, a quem aqui já nos referimos e ao qual oferece uma colectânea de poemas não editados mas já reunidos sob o título provisório de "Charneca em Flor". Batoque fica deveras entusiasmado com o que vê e promete dá-los a conhecer ao seu amigo Guido Batelli, professor da literatura italiana na Universidade de Coimbra.
O professor italiano nem quer acreditar na qualidade daquele tesouro literário que acaba de lhe cair nas mãos. De imediato entra em contacto com Batoque que o põe em ligação com Florbela à qual transmite a intenção de lhe editar "Charneca em Flor" como toda a sua obra.
A poetisa vai manter-se em Évora até ao Verão de 1930, onde parece ir recuperando paulatinamente a saúde, com a ajuda de alguns amigos . Aqui tira a sua última fotografia. Ainda com 35 anos, mantém-se elegante,longilínea, ancas estritas e busto pouco elevado, adoptando o estilo "charleston" estival que aconselha o vestido leve e vaporoso,pouco abaixo do joelho, de alças desnudando por completo os braços, chapéu, sombrinha, colar e cabelo à garçonne.
Mas Évora é longe de Coimbra e Guido Batelli aconselha-a a chegar-se mais para Norte dado que a sua vida universitária não confere muito tempo para se deslocar ao Alentejo, agora que está em fase de revisão de provas de "Charneca em Flor".

Florbela retorna a Matosinhos para rever as provas mas o marido e a família acolhem-na com a mais fria e brutal indiferença. Quando termina o trabalho é diagnosticado um edema pulmonar. Tenta de novo o suicídio. Lage e companhia espalham por todo o lado que ela não passa de um cadáver adiado por poucos dias. Às duas da madrugada do dia 8 de Dezembro de 1930 fecha-se no quarto depois e ter emborcado dois frascos de Veronal, um barbitúrico muito forte e diz adeus à vida. Ao que muitos disseram por estar apaixonada por Ângelo César, fugira grada no nascente Estado Novo e crítico literário,e já não dispor de condições de saúde para viver esse último amor.
No caso porém houve muito coisa de estranho. Lage e todo a classe médica de zona, por solidariedade de classe, recusaram-se a assinar a declaração de óbito que embora indique o referido edema como causa da morte está absurdamente assinada por um carpinteiro. E a Igreja recusou assistência religiosa ao funeral por suspeitar de suícidio.

AMANHÃ

A INFAME PERSEGUIÇÃO DE QUE FOI VÍTIMA
POST MORTEM


07
Dez13

TRABALHO SOBRE FLORBELA ESPANCA


Maria Letras sopa-de-letras

Gentilmente cedido por  José Frota ,  a quem agradeco o trabalho e a autorizacao para publicar.


A ANTIGA ALUNA FLORBELA ESPANCA

PRIMEIRA PARTE

Há cerca de dois meses, o Adelino Santos desafiou-me a escrever alguma coisa sobre a nossa antiga colega Florbela Espanca, a mais célebre das AALNE e ainda hoje tida como a maior poetisa, não obstante Natália Correia, Sofia de Melo Breyner e Maria Teresa Horta . Acontece que outro alguém já se havia antecipado e demonstrando profundo conhecimento sobre a vida e obra da nossa ilustre colega as dissecara admiravelmente e com aplauso geral. De modo que meti a viola no saco e qual o outro sapateiro remendão fiz igualmente questão em não ir além da chinela.
Mas porque faz depois de amanhã, dia 8 de Dezembro, 119 anos que Florbela nasceu e 83 que decidiu por termo à vida, eu resolvi, como seu grande admirador, evocar a sua vida, em jeito de homenagem a prestar-lhe. Este escrito será seguido de mais dois que ajudarão a rememorar o passado desta mulher que foi seguramente uma figura de excepção da sociedade portuguesa do seu tempo, arrostando com um destino trágico, amargo e cruel que traduziu numa obra de altíssima qualidade literária dominada pela solidão, pela ansiedade, o desespero, a vida e a morte, o erotismo, a feminilidade e o panteísmo.

Florbela (baptizada como Flor Bela) nasceu em Vila Viçosa no ano de 1894. Sendo filha ilegítima de Antónia da Conceição Lobo e de José Maria Espanca, inicialmente sapateiro e depois sucessivamente antiquário, negociante de cabedais, desenhista, pintor e apresentador cinematográfico. José Maria era casado com Mariana do Carmo Toscano, mas a esposa era estéril. Por isso conseguiu convencê-la a que ele tomasse como amante Antónia da Conceição, uma jovem serviçal muito atraente que lhe pudesse assegurar descendência, desejo que este sempre acalentara.
Dessa ligação nunca interrompida nasceram Florbela e três anos mais tarde,seu irmão Apeles, pelo qual ela sempre nutriu um amor obsessivo. Os filhos nunca viveram com a mãe. José Maria e Mariana levaram-nos para sua casa tendo esta sido madrinha de baptismo de ambas as crianças que foram registadas como filhos de pai incógnito.
Florbela frequentou a escola primária da sua terra natal entre 1899 e 1908 até chegar ao actual 6º. ano de escolaridade. Data de 1903, apenas com 9 anos o seu primeiro poema "A Vida e a Morte" antecipando já uma extrema precocidade na abordagem de dois temas em torno dos quais girará o se percurso literário e a sua reflexão. Em 1907 é acometido pelos primeiros sinais de neurastenia. O ano de 1908 será um ano decisivo na sua vida.Para lá de concluir a escola primária vê desaparecer Antónia Lobo, sua mãe, com 29 anos, vítima de uma estranha forma de neurose. Muitos verão nesta ocorrência os sinais da marca hereditária que afectará toda a sua existência.

É ainda em 1908 que a família vem viver para Évora. Morta a mãe dos filhos, João Maria Espanca vem para a cidade a fim de poder proporcionar a ambos a continuação dos estudos. A menina matricula-se no Liceu de imediato, integrando o seu primeiro núcleo feminino que em 1910 era composto já por dez alunas. No ano seguinte começa a namorar Alberto de Jesus Silveira Moutinho, seu colega. Tinha então 17 anos. Rompe rapidamente com Alberto e apaixona-se por João Martins da Siva Marques que muitos décadas mais tarde virá a ser o Director Nacional da Torre do Tombo.
Paixão efémera esta. Poucos meses depois Florbela completa o Curso Geral dos Liceus e e reaproxima-se de Alberto Monteiro com quem Vem a consorciar-se civilmente em 1913 em Évora no dia do seu 19º. aniversário (há exactamente 100 anos) . O casal fixa residência em plena Serra d' Ossa, Redondo, onde funda um colégio no actual Convento de S.Paulo e no qual lecciona e dá explicações, mas sem grande sucesso.
Dificuldades financeiras fazem-nos regressar a Évora e à casa dos Espancas. Na cidade, Florbela, vai continuando a escrever os seus poemas e enceta colaboração nas revistas nacionais " Portugal Feminino", "Modas e Bordados" (suplemento feminino do diário matutino "O Século" e os periódicos locais " Notícias d'Évora " e "A Voz Pública" enquanto termina no Liceu de Évora, em 1917, o Curso Complementar de Letras, com 14 valores e se inscreve na Faculdade de Direito de Lisboa.
A vida melhora um pouco e o par regressa a Redondo mas por pouco tempo. A poetisa tinha sofrido um aborto involuntário que lhe deixara sequelas nos ovários e pulmões, aparentando sintomas de tuberculose e refugiara-se ali para tentar recuperar. Mas como as melhoras não chegassem, antes pelo contrário, o seu estado de debilitamento físico e psíquico era cada vez mais preocupante,Florbela é aconselhada a ir para a serra algarvia para descansar e tratar-se.
A ideia agrada ao marido que por ali tem o irmão e a cunhada que são professores na então Vila Nova de Portimão. (CONTINUA)

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