PEQUENOS NADAS
Maria Letras sopa-de-letras
Fui a planta selvagem
Como ainda hoje o sou
Jamais me faltou coragem
Nem o vento me abalou
Tanta coisa me ensinaram
Mesmo aquilo que não quis
Por eu ser, me castigaram,
Tão dona do meu nariz
Ensinaram-me a falar
Sabendo que não podia
Meu pensamento soltar
Sem pensar no que dizia
Ensinaram-me a andar
Com afinados travões
Quem sabe pra não criar
Demasiadas ilusões
E hoje olhando pra trás
Eu vejo que nada sei
No seio das horas más
Tudo o que aprendi deixei
Tanta coisa me ensinaram
Porém ninguém me ensinou
Que as saudades que ficaram
Do meu irmão que abalou
São lágrimas camufladas
Brotando do meu coração
Lembrando os pequenos nadas
Que me davas meu irmão
Maria Letras , UK 15.05.2020
MANA MUNTA-ME O PÃO
Que saudade que tenho de ti. Passou um ano, mas no meu coração parece ter passado uma eternidade.
Não foste perfeito, mas foste um bom homem. Se alguma vez fizeste mal a alguém foram, apenas os efeitos colaterais do mal que fazias a ti próprio no caminho que trilhavas em busca da felicidade. Na busca de seres amado.
Tu amavas, amavas a todos que te rodeavam. Gostavas da harmonia, da paz.
Organizar encontros de família e de amigos era para ti uma imensa alegria.
As longas conversas em que toda a gente gostava de te ouvir. Porque tu sabias falar, tu eras uma enciclopédia com pernas. Não me esqueço do teste de cultura geral que fizeste ao Jorge no dia em que vos apresentei. Encaminhaste a conversa para lhe fazeres uma pergunta que consideravas de nível elevado, e lá estavas tu a perguntar-lhe como se chamava a filha de Maomé. O Jorge respondeu de imediato e tu?
Tu mano, exultaste de alegria, porque entendeste que tinhas ali alguém com quem podias falar, alguém ao teu nível.
Esse era o teu grande problema, tinhas dificuldade em encontrar pessoas com quem pudesses extravasar as tuas ideias e dar uso aos teus conhecimentos.
Foi por isso que foste parar à América, porque pensaste que tinhas encontrado alguém com um QI semelhante ao teu. Foi por isso que abandonaste a escola, porque querias muito mais do que eles tinham para te ensinar. Pois se tu com três anos de idade ias assistir por tua livre vontade às minhas aulas da quarta classe lá na escola do nosso bairro, e sabias dizer os nomes dos países todos cujas bandeiras preenchiam a contra capa do meu livro de geografia. As pessoas ficavam boquiabertas. Como é que depois foste abandonar a escola?!
Pois é mano, o mundo em que viveste sempre te foi pequeno, e de certa forma, adverso e hostil.
Quando vivias na Polónia e no verão vinhas para Londres para trabalhar, eu adorava as conversas infindas. Às vezes dizias e eu concordava contigo:
-Mana o nosso Zé não conheceu os mesmos pais que nós conhecemos.
Dizias isto porque com o Zé os pais eram menos rigorosos, mais condescendentes, mas isso tinha várias razões de ser. Uma delas era pela idade, os pais já eram mais velhos, outra porque viviam no estrangeiro o que lhes aumentava o sentido de protecção, e depois também porque tinham melhores condições de vida, logo viviam mais felizes.
Quando nós éramos garotos, o pai trabalhava duro e de sol a sol, e a mãe passava o tempo atrás daqueles dois balcões da mercearia e da padaria, sem ter tempo para nós.
Dessa fase guardo lembranças que me enternecem como , por exemplo, quando eu andava a brincar na rua com as minhas amigas e tu vinhas e andavas atrás de mim a choramingar :
- Mana ….munta-me o pão…
Naquela época, pelo menos lá na nossa área as pessoas diziam “ untar o pão com manteiga ou com banha “ mas tu não dizias untar, dizias muntar.
Talvez fosse… vem me untar o pão, mas como tu dizias era... mana munta-me o pão. E eu, um bocado contrariada lá parava a brincadeira e lá ia muntar-te o pão.
Quantas vezes nos rimos por causa desta e de outras histórias.
Onde andarás tu agora meu irmão ?!
Ontem fui lá, senti uma enorme necessidade de lá ir, como se pudesse ver-te, como se pudesse abraçar-te.
Mas de ti...apenas aquela triste placa com o teu nome, nada mais.
Faz amanhã um ano que partiste.
Quanta saudade…
Maria Letras, UK 15.05.2020